da redação do Blog
No último dia 3, a Família Dominicana em São Paulo se reuniu para celebrar a memória de 1 mês da Páscoa de nosso grande pastor, Dom Tomás Balduíno.
Dom Tomás é reconhecido por seu trabalho junto das comunidades e por sua luta com os companheiros que vivem do campo e da terra, como os trabalhadores rurais e os indígenas. Não é a toa que participou efetivamente da criação e da manutenção do Conselho Indigenista Missionário e a Comissão Pastoral da Terra.
Na celebração, pequena, simples, comunitária, ao bom estilo de Dom Tomás, a maior parte dos ramos da Família Dominicana estavam representados. A homilia foi uma grande partilha sobre a experiência de diversas pessoas do convívio e projetos com Dom Tomás. O MJD Brasil também abriu a todos a grande iração que alimenta sobre o exemplo profético de Dom Tomás e que seu próximo Espaço Missionário será batizado de “Espaço Missionário Dom Tomas Balduíno”.
Reproduzimos aqui também dois textos, um de frei Betto e outra da Pastora Nancy Cardoso Pereira, da Igreja Metodista, que não puderam estar presentes mas que não podiam deixar de dar seus testemunhos. Com este textos fica muito claro porque devemos alimentar a chama da memória de Dom Tomás e de fazer trabalhos junto dos pobres, das minorias, dos marginalizados.
*Para ver as fotos de todos os momentos da celebração, e o álbum em nossa página no facebook pelo link: http://on.fb.me/1ke7RAK
Dom Tomás, bispo dos excluídos (por frei Betto)
Em fevereiro de 1973, na Penitenciária de Presidente Venceslau (SP), misturados a presos comuns, cinco presos políticos – frei Fernando de Brito, Maurice Politi. Ivo Lesbaupin, Wanderley Caixe e eu – fomos castigados, com quinze dias de isolamento em celas individuais, por demonstrar solidariedade ao sexto preso político, Manoel Porfírio, que sofrera punição injusta.
No domingo, 11 de fevereiro, ao encerrar o período do nosso isolamento, recebemos inesperadamente a visita dos bispos Tomás Balduíno, José Maria Pires, Waldyr Calheiros e José Gonçalves. Tinham aproveitado o recesso da assembleia dos bispos do Brasil, em itaici [SP], para voar até Presidente Venceslau no teco-teco pilotado por Dom Tomás Balduíno.
Relatamos as torturas a que eram submetidos os presos comuns e as sanções injustas impostas a nós, presos políticos. Na tarde do mesmo dia, na reunião de Itaici, os bispos repetiram nossas denúncias em coletiva de imprensa.
O diretor da penitenciária ficou irritado e intrigado. Isolados como estávamos, com que recursos haviam convocado a comitiva episcopal? Teríamos um radiotransmissor dentro da cela? Talvez nunca tenha se convencido de se tratar de mera coincidência.
Nosso confrade na Ordem Dominicana, dom Tomás Balduíno, falecido no último dia 2 de maio, em Goiânia, em decorrência de embolia pulmonar, visitava periodicamente os frades encarcerados e não temia denunciar a ditadura e defender os direitos humanos.
Nascido em Posse (GO), no último dia de 1922, seu nome de batismo era Paulo Balduíno de Sousa Décio. Ao ingressar na vida religiosa adotou, como era costume na época, o prenome de Santo Tomás de Aquino.
Foi o último filho homem de uma família de onze filhos, três homens e oito mulheres. Seu pai, promotor público, encerrou a carreira como juiz.
Formado em filosofia, Dom Tomás fez o mestrado de teologia em Saint Maximin, na França. Em 1957, nomeado superior da missão dominicana na prelazia de Conceição do Araguaia (PA), viveu de perto a realidade indígena e sertaneja. Na época, a pastoral da prelazia acompanhava sete grupos indígenas. Para aprimorar seu trabalho junto aos índios, fez mestrado em Antropologia e Linguística, na Universidade de Brasília (UnB), concluído em 1965. Aprendeu a língua dos índios xicrin, do grupo bacajá, kayapó.
Para melhor atender a região da prelazia, que abrangia todo o Vale do Araguaia paraense e parte do Baixo Araguaia mato-grossense, frei Tomás aprendeu a pilotar avião. Amigos da Itália o presentearam com um teco-teco, com o qual
prestou inestimável serviço, sobretudo na articulação de povos indígenas. Também ajudou a salvar pessoas perseguidas pela ditadura militar.
Em 1965, foi nomeado pelo papa prelado de Conceição do Araguaia. Lá enfrentou os primeiros conflitos com as grandes empresas agropecuárias que se estabeleciam na região com incentivos fiscais da extinta Sudam. Elas invadiam áreas indígenas, expulsavam famílias sertanejas (posseiros], e traziam trabalhadores braçais de outros estados, sobretudo do Nordeste brasileiro, submetidos, muitas vezes, a regime análogo ao trabalho escravo.
Nomeado bispo diocesano da cidade de Goiás, em 1967, foi ordenado bispo e ali permaneceu 31 anos, até 1999. Ao completar 75 anos, apresentou sua renúncia e mudou-se, como simples frade, para o convento dominicano de Goiânia. Seu ministério episcopal coincidiu, por longo tempo, com a ditadura militar (1964- 1985).
Movimentos sociais, como o do Custo de Vida, e a Campanha Nacional pela Reforma Agrária, contaram com todo o apoio de Dom Tomás, que participou ativamente da criação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em 1972, e da Comissão Pastoral da Terra (T], em 1975. Presidiu o C1M1, de 1980 a 1984, e a T, de 1999 a 2005. A Assembleia Geral da T, em 2005, o nomeou conselheiro permanente.
Agora, seu corpo está enterrado na catedral de Goiás. E seu exemplo de vida perdura na memória de todos que conheceram um homem fiel à proposta do Evangelho de Jesus.
Testemunho da Pastora Metodista Nancy Cardoso Pereira
Dom Tomás fazia parte do mundo dos homens com poder no cristianismo: era bispo, parte da hierarquia… viveu as contradições do século XX e ao século XXI e usou seu lugar de poder para criar condições para que outros e outras falassem, para que fossem ouvidos: indígenas, camponeses e camponesas, quilombolas. pequenos e pequenas agricultores, ribeirinhos e ribeirinhas, jovens lideranças. Soube usar seu lugar de poder com sabedoria e ousadia, viveu intensamente todas as tomadas de posição que nos reuniriam num projeto maior que anuncia novos jeitos de ser igreja e mais que isto, um novo tempo da terra sem males. De Dom Tomás podemos dizer:
“Quando aumenta a repressão, muitos desanimam. Mas a coragem dele aumenta. Organiza a luta peio salário, pelo pão e pela conquista do poder. Interroga a propriedade: De onde vens? Pergunta a cada ideia:
Serves a quem? AH onde todos calam, ele fala. E onde reina a opressão e se acusa o destino, ele cita os nomes.” (Bertold Brecht)
Convivi com Dom Tomás nas lidas da T e sua presença, firmeza e fidelidade eram como a sombra de uma frondosa árvore que nos reunia em nossa aprendizagem de ser pastoral, em nossa aprendizagem de profecia.
Uma vez, no interior de São Paulo, num despejo de um acampamento nos arredores de Americana, a polícia não nos deixava ar. Tínhamos saído para reunir alimentos e agora… nós e a comida estávamos ali, barrados. Pedi para falar com o Comandante da operação. Insisti. Consegui ser atendida e disparei todos os meus argumentos: a comida, as crianças, a negociação e os direitos humanos… nada funcionava! eu repetia: “sou da T”.
Quando ele por um momento ouviu o que eu dizia me perguntou: “T de Dom Tomás?” – “Sim!” – eu confirmei assustada. O Comandante disse: -“conheci Dom Tomás numa operação em São Paulo. Você trabalha com ele?” – “Sim!” e imediatamente virei as folhas da agenda da T procurei o nome de Dom Tomás e rapidamente disquei no celular. -“Alô Dom Tomás, sou eu, Nancy. Estamos aqui numa tentativa de despejo de uma comunidade, queremos entrar com alimentos e fomos impedidas… o Senhor pode falar com o Comandante?” – falei ofegante. Me virei para o homem e disse: – “Dom Tomás quer falar com você”… e ei o celular! Foi isso.
Entramos: nós e a comida. Nunca soube o que eles conversaram… entrei e fui fazer minha tarefa sabendo que eu não estava sozinha, que eu fazia parte de um esforço maior, de uma voz poderosa e de profunda fidelidade evangélica.
Agradeço a Deus e à vida pela oportunidade de convivência, pela partilha de conflitos e esperanças, pela T como espaço e beleza, desafio e fidelidade ao Deus dos pobres e aos pobres da terra. Dom Tomás continua sombra frondosa e acolhedora.