São Domingos e o diálogo com outras religiões

por frei Mateus Domingues*

Posts-SemanaDomingos2018-08

Entendida como um ordenamento de doutrinas e práticas que visa atingir ou intensificar as relações entre uma coletividade de indivíduos e uma dimensão divina da realidade, semanticamente,“religião” é um conceito relativamente novo. “Diálogo” adquiriu o estatuto que possui hoje, na história das ideias, como resultado da discussão filosófica perpetrada também recentemente. Ademais, no século XIII, grosso modo, os cristãos partilhavam a crença de que a única maneira de ser salvo por Cristo é mediante a adesão sincera e ortodoxa à fé cristã e a consequente adesão à Igreja. O debate teológico nas últimas décadas oferece uma compreensão incomparavelmente mais sutil sobre a questão da salvação do que outrora. Não obstante, em Domingos, homem de seu tempo, há indicativos que podem ser fundadores de uma abordagem hodierna do diálogo entre cristãos e não-cristãos. Como?

Domingos foi um buscador da verdade. Muitos irmãos dominicanos, na história da Ordem, em nome da defesa da verdade, se tornaram promotores da intolerância e do medo. Com efeito, a atitude de Domingos não era exatamente – ao menos não em primeiro lugar – a de um defensor, guardião ou conservador da verdade, mas primordialmente a de um “seguidor da verdade”. “Segue-se a verdade na caridade” (Ef 4,15); a verdade é algo para se praticar (cf. Jo 3,21). Para os primeiros dominicanos, imitar Domingos no seguimento da verdade foi um ato de ousadia: logo após a morte de Domingos, havia conventos em Constantinopla, Túnis e Bagdá; na virada entre os séculos XIII e XIV, havia irmãos pregadores da China à Mauritânia; antes, os irmãos dominicanos estabelecaram escolas de árabe em Túnis (1245) e de hebraico em Múrcia (1265). Contrariando as fobias de então, alguns irmãos, como Alberto, Tomás e Raimundo Martí, tiveram a audácia de, para compreender Aristóteles e as ciências, dedicar suas vidas ao estudo das obras de filósofos “pagãos”, assim como, principalmente, ao estudo de todas as obras de filósofos muçulmanos e judeus que lhes eram então íveis, sem se esquecer das obras de certos filósofos cristãos classificados como “hereges” ou “cismáticos”; a partir disso, Alberto, Tomás e Raimundo Martí, entre tantos outros, puderam produzir conhecimento e formar, com os autores de suas fontes, uma comunidade de pensamento – o conhecimento não tem filiação religiosa. Tomás e Raimundo Martí, por sua vez, demonstraram e insistiram que a disputa com não-cristãos se funda naquilo que cristãos e não-cristãos compartilham: a razão. Mesmo se hoje é inevitável constatar que “disputa” não é a melhor atitude, o fundamento do método de Tomás e de Raimundo Martí permanece intacto; com estes dois irmãos e com outros entre os primeiros teólogos dominicanos, aprende-se que a fundação do diálogo está no que se partilha com os interlocutores – a “razão” – e, ao ser fiel a esse princípio dominicano-tomista, pode-se empregar outras configurações compartilhadas, as quais são redutíveis a isto: antes de ser seguidores de religiões distintas, todos são seres humanos. Em outras palavras, da abordagem dominicano-tomista preserva-se a confiança na razão humana – e, por extensão, em tudo o que é concomitante à condição de “ser racional” e de “ser humano” –, lugar privilegiado de encontro entre as religiões, permitindo aos desejosos de buscar a verdade explicitar suas respectivas posições e doutrinas de maneira razoável.

No diálogo com seguidores de outras religiões, é praticamente inevitável constatar uma pluralidade de posicionamentos e doutrinas sobre a existência e a realidade e que se reivindicam como “a verdade” ou, no mínimo, como verdadeiros; certos posicionamentos, quando enunciados, são incompatíveis uns com os outros. O diálogo não é a busca de um grande acordo de compromisso ou de nivelamento entre doutrinas divergentes. Não se trata tampouco de procurar destruir os posicionamentos e as doutrinas que são incompatíveis com as doutrinas e posições cristãs. Na verdade, o diálogo convida a uma mudança de perspectiva, na qual os posicionamentos enunciados possam vir a se tornar mais inteligentes, sofisticados, reflexivos, moderados, lúcidos, modestos. Não se trata de uma renúncia às posições iniciais, mas de uma revisão crítica das mesmas; isso implica uma abertura a uma reinterpretação das diversas tradições à luz da revisão realizada, o que permite a apreensão de uma graduação progressiva no caminho à verdade.

A contribuição dominicana no vislumbrar de uma graduação progressiva e crítica em direção à verdade consiste no convite para se sair do nível da representação por imagens, as quais são formadas mentalmente sobre uma determinada coisa; a busca dominicana da verdade sublinha a busca por apreender intelectualmente a coisa enquanto tal, por assim dizer. Um diálogo inter-religioso dominicano procura ter por base algo que seja empiricamente verificável nas fontes de determinada tradição religiosa e que seja, por isso, justo com a tradição em questão, seguindo uma argumentação sadia e honesta. Há, portanto, uma primazia do fato, o qual, na abordagem dominicana, certifica toda enunciação e toda prática. É necessário, pois, muito estudo, pesquisa, rigor e humildade. Franqueza e paciência são igualmente necessárias para se operar um desarme das desconfianças e mal-entendidos mútuos. Bem que o catáter objetivo da verdade tenha que ser, na abordagem dominicana, o fundamento do diálogo, a epifania da verdade aparece como uma construção. No diálogo, a ocorrência de tal construção é relacional, pois a verdade se manifesta nos encontros com pessoas únicas e concretas. A aparição da verdade coincide com o aparecimento de amizades singulares, assim como implica uma ação comum. Por isso, o seguimento da verdade é uma busca paciente e permanente. Sobre isso, Domingos legou mais dois ensinamentos. O primeiro é que o cristão deve procurar agir sempre de acordo com aquilo que os próprios cristãos professam ser o modo de ação divino, isto é, de acordo com a misericórdia. O campo de presença imensurável da misericórdia capacita e impele os pregadores a serem irmãos entre si e irmãos de todos – inclusive dos não-cristãos. O segundo ensinamento é a contemplação: aprende-se com Domingos a apreender em tudo e em todos – e não somente entre os cristãos – a epifania da Palavra eterna de Deus; há uma inspiração, novamente, na perspectiva divina que se assume, de alguma maneira, como sendo a de todo pregador e que pode se tornar a de todo ser humano. O exemplo de Domingos evidencia que o diálogo supõe uma mística da palavra e uma ética da palavra; o diálogo é uma obra de pregação – para os outros e, primeiramente, para si.

irmão (frade) da Ordem dos Pregadores, ministro ordenado (presbítero), pesquisador em história da filosofia e da teologia islâmica e membro do Institut Dominicain d’Études Orientales (IDEO) do Cairo.

Carisma Dominicano e Democracia

por frei Márcio Couto, OP

Posts-SemanaDomingos2018-05

A palavra carisma significa dom, graça extraordinária. S. Tomás de Aquino vê a graça como um duplo movimento: a graça (santificante) une o ser humano a Deus por um lado, e por outro, a graça faz com que alguém ajude o outro a chegar a Deus (graça dada gratuitamente). O carisma dominicano é uma graça que recebemos para nos santificarmos, e também levarmos ao outros esse dom. Isso se exprime em nosso lema Contemplar e levar os outros à contemplação.

Uma dimensão do carisma dominicano é a forma democrática que são Domingos escolheu para organizar a Ordem. Esta tem uma estrutura básica de baixo para cima. S. Domingos quis que todos os cargos de grande responsabilidade fossem ocupados por pessoas escolhidas pelos seus pares, isto é, pelos irmãos. Nisso consiste nossa democracia. Essa dimensão democrática deve atravessar todas as nossas instituições, porque ela faz parte do nosso carisma.

Por que se fala tanto de estudar na família dominicana?

por frei André Tavares, OP*

Posts-SemanaDomingos2018-06

Lembro-me que há alguns anos, o Mestre da Ordem, frei Bruno Cadoré, ao falar da vida de estudos, convidava a pensá-los como uma realidade que “irriga toda nossa vida de dominicanos”. A imagem é realmente bonita. Eu comecei, então, a me perguntar por que ele havia utilizado o verbo “irrigar”. Quando falamos “irrigar”, vem à nossa cabeça ou uma plantação ou um jardim. Então me lembrei que frei Bruno nasceu numa região da França chamada Borgonha, famosa pelas suas vinhas e por seus jardins.

Os especialistas discutem há séculos se o melhor vinho é feito na Borgonha ou na região de Bordeaux. Bem, trata-se de uma questão muito complicada… Por isso, para tentar compreender este “irrigar” que frei Bruno utilizou, prefiro tomar o exemplo de um jardim. Se você pesquisar no Google “jardins da Borgonha”, não vai encontrar muitos espaços espetaculares como os jardins dos palácios de Versalhes ou de Luxemburgo. Mas, você encontrará imagens de pequenas vielas bem cuidadas, com arranjos de flores nas calçadas, junto às janelas, aos pés das imagens de Nossa Senhora… Os jardins naquela região não são espetaculares, mas algo que faz parte da paisagem comum, em toda parte. Do mesmo modo, os estudos na nossa família não são algo espetacular, para poucos, mas uma realidade normal na nossa vida de dominicanos. Quando o silêncio, a reflexão e o aprofundamento am a fazer parte, habitualmente, de nosso cotidiano, podemos dizer que estamos vivenciando esta dimensão importante da missão que nossa família recebeu da Igreja. A vida de estudos, mais que um acúmulo de informações é uma postura de vida, uma espiritualidade. Quando eu era frade-estudante, um grande teólogo dominicano, frei Claude Geffré, fez uma pequena palestra para os frades do convento onde eu morava. Ele disse algo que nunca vou me esquecer: para nós dominicanos, dedicar-se aos estudos está no mesmo plano de vivenciar a obediência, a pobreza e a castidade. Eu disse para mim mesmo: “Uau!”

Bem, estudar não é uma coisa simples, mesmo quando nos são oferecidas condições para tal. Também não é sempre prazerosa. E então nos perguntamos: o que nos leva a ar horas de silêncio, na companhia de livros, no quarto ou na biblioteca, mesmo num belo dia de verão? O que nos leva a dizer não a ir ao cinema com os amigos, quando temos que preparar os exames? O que nos leva a não assistir um clássico futebolístico numa quarta-feira, sabendo que temos que dar aulas na quinta, bem cedo? Todas essas renúncias só terão sentido se temos claro o fim: a pregação. A Igreja confia que sejamos nós aqueles que servem seus irmãos pela doutrina, pela reflexão, pelo aprofundamento, e sem improviso.

Boa parte dos dominicanos, como você sabe, usa óculos… Eu não sou exceção. Há algum tempo, liguei para o consultório de meu oftalmologista. Precisava fazer minha visita bienal. A secretária muito gentilmente me disse que naquela semana não seria possível, pois o doutor estava nos Estados Unidos para um congresso. Penso que pela primeira vez na vida eu tenha ficado feliz por não ter conseguido uma consulta rapidamente. Eu fiquei contente porque meu médico estava se aprofundando para que pessoas como eu, seus pacientes, pudessem se beneficiar do avanço da oftalmologia. E para isso, ele deixou de trabalhar (e ganhar) alguns dias. E como ele é pai de família, é possível que tenha sido duro deixar de ver seus três filhos e sua esposa por uma semana. Pode ser que ele tenha perdido a apresentação de teatro de sua filha mais nova, ou que tenha sentido não poder ir jogar bola com seu filho mais velho. A família dele deve também ter percebido que faltava alguém no banco da igreja, na missa de domingo… Eu agradeci a Deus pela generosidade do meu médico. Assim como eu me sinto mais seguro sabendo que meu oftalmologista estuda e se atualiza, eu ficaria bem desconfiado de me aconselhar com um dominicano que há algum tempo não vai à livraria…

Convento “Saint-Jacques”, Paris

A pregação dominicana pela arte

por frei Mariano Foralosso, OP*

Posts-SemanaDomingos2018-07-07

Quem for viajar na Itália, uma etapa obrigatória é a cidade de Florença, onde a arte e o belo reinam por toda parte. Nesta cidade existe um convento dominicano, o de São Marcos, que pode ser considerado o exemplo mais perfeito de pregação dominicana pela arte. Nele o pintor dominicano frei Angélico revestiu as paredes dos corredores, das salas comuns e dos quartos com inúmeras pinturas, retratando a vida de Jesus e de Maria.

O objetivo de frei Angélico era de pregar aos frades pela arte, alimentando sua vida de estudo, de oração e  contemplação com a força das imagens e o atrativo da beleza. No começo estas imagens maravilhosas, em que arte e fé, beleza terrena e beleza divina se fundem e confundem, eram reservadas somente para os religiosos que moravam no convento. Depois das supressões o convento de São Marcos virou museu do Estado, aberto ao público. Todo dia é uma maré de pessoas que contemplam silenciosas a beleza celestial que o grande artista pregador conseguiu expressar nas Madonas, nos Santos, nos Anjos, nos episódios da vida de Jesus.  O espetáculo desta beleza se torna, para cada pessoa que a contempla, um ‘boa nova’ do amor de Deus para nós, da dignidade e beleza de cada pessoa humana, que é imagem da beleza de Deus. Esta do frei Angelicó é uma pregação pela arte que continua há seis séculos!  Frei Angélico é um exemplo de pregador dominicano pela arte. Talvez o mais conhecido.  Nos oito séculos de vida da Ordem esse tipo de pregadores foi bastante comum!

No Brasil também tivemos e temos membros da Família Dominicana que exercem sua missão de pregadoras e pregadores falando com o linguajar da arte, do belo. Lembro o caso de frei Nazareno Confaloni, artista e pregador que deixou um magnífico legado de evangelização pela beleza:  em Goiás Velho, em Goiânia e em muitos outros lugares do Brasil.

* frade dominicano com sua missão há mais de 30 anos no Brasil 

Reflexões sobre São Domingos: compaixão e juventude

por Alvanei Finamor*Posts-SemanaDomingos_3-03

Domingos de Gusmão foi um homem sensível a realidade de seu tempo. Dedicou sua vida a busca da “verdade”, e assim, o fez com a fundação da Ordem. Abdicou de bens preciosos de sua família, de bens como seus livros. Assim, disse: “não posso estudar sob peles mortas se meus irmãos morrem de fome”.

Fez-se atento ao sentar com o cátaro na hospedaria e ar a noite conversando, ouvindo-o e instruindo-o.

Mover-se de compaixão requer senso de solidariedade, sentir-com, estar-com, calçar as sandálias dos outros, colocar-se no lugar do outro, estar com  o outro. Já dizia um dominicano que “a compaixão é uma história de paixão”.

Domingos de Gusmão viveu tudo isso, sentiu paixão e transmitiu-a a seus jovens amigos. Se “a compaixão é uma história de paixão”, arrisco a dizer que ela nasce na juventude. No jovem que deseja mudar o mundo; que sonha;  que não tem medo de arriscar-se, medo de errar e começar de novo; que não tem medo de doar sua vida a outros.

Domingos de Gusmão nos provoca a sermos jovens sem medo, nos provoca a sentir simpatia e compaixão pelo outro.  A ter um olhar de misericórdia  desejoso de encontrar o mais íntimo e profundo com o outro.

*Agente de Pastoral

Reflexões sobre São Domingos: grande pregador do evangelho

por Josenilde Marques, OP*

Posts-SemanaDomingos2018-05-06

Falar sobre São Domingos de Gusmão é falar de um homem sereno, alegre, simples, agradável, humilde, zeloso, itinerante, missionário, peregrino, caridoso, misericordioso, orante, contemplativo e amante da verdade que é o próprio Cristo.

Domingos nasceu em Caleruega na Espanha, em 24 de junho de 1170, e faleceu em Bolonha- Itália, no dia 06 de agosto de 1221. Era filho de Joana de Aza e de Félix de Gusmão. Embora fosse filho de condes, Domingos desfez-se de tudo o que possuía para viver na íntegra a pobreza evangélica. Desde pequeno era sensível às coisas de Deus. Trazia consigo e quase sabia de cor, o Evangelho de Mateus e as epístolas de São Paulo.  Fez-se tão pobre que nunca mais teve uma casa para dormir. Seu teto, seu “claustro” era o mundo; levou a sério a pobreza de Cristo: “as raposas têm tocas e as aves do céu têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (Mt 8,20).

Domingos foi um homem de oração, buscou um equilíbrio entre rezar à vida e o viver a oração. Durante o dia, falava de Deus para as pessoas e a noite, falava das pessoas para Deus. Era tão sereno que amava a todos e por todos era amado. Assim como Jesus, Domingos teve compaixão dos pobres, a ponto de vender seus livros preciosos: “como posso estudar em peles mortas, enquanto meus irmãos morrem de fome”.

Em 1206, Domingos teve a grande alegria de receber no seu pequeno convento de Prouille as nove mulheres por ele convertidas, juntamente com mais duas jovens. Este pequeno grupo de monjas foram as primeiras colaboradoras de São Domingos para que se conseguissem mais conversões dos hereges. Esta foi a primeira fundação de Domingos que por meio da oração das monjas, fortalecia e sustentava a pregação.

Percebendo a formação precária dos padres de sua época (eram poucos estudados e não tinham a autorização para pregar o Evangelho), Domingos pensou em fundar a Ordem Religiosa semelhante à vida dos apóstolos, uma vida de “Contemplação e Ação”, ou seja, seus frades teriam de estudar muito para poderem ensinar as verdades do Evangelho, dedicando-se também à oração. Tudo o que fosse colhido no estudo e na oração seria transformado em “AÇÃO” levado aos homens através da pregação da Palavra de Deus (Contemplar e dar aos outros o fruto do contemplado). No começo foram dois, seis, dez, vinte e aos poucos foi crescendo o número de seguidores. São Domingos organizou sua Ordem e após receber os primeiros colaboradores oficialmente em sua nova comunidade, enviou-os dois a dois, para lugares diferentes, porém destinados às universidades mais famosas da Europa, a fim de estudarem e começarem suas pregações, pois dizia: “O trigo amontoado apodrece, mas se a semente cai na terra, germina, cresce e dá fruto”. Domingos integrou na Ordem o estudo enraizado na Palavra de Deus, como busca incessante da verdade contemplada, vivida e comunicada.

Em suas viagens como missionário pregador da Palavra de Deus, Domingos descobriu que o trabalho apostólico dos Frades Pregadores, por mais eficiente que fosse, tinha um limite, por isso pensou nos leigos. Neste sentido, podemos dizer que São Domingos foi muito avançado para sua época, pois já tinha em mente a missão e o trabalho dos leigos na Igreja de Jesus Cristo. Ele valorizou-os, fundando um novo ramo de sua Ordem, exclusivamente para aqueles que não iriam morar em conventos, mas seriam “pregadores” no mundo, no seu dia-a-dia, morando em suas casas.

Amante da natureza como era, São Domingos extasiava-se diante das maravilhas e da beleza de Deus, e, neste clima de alegria, junto com o Irmão Bertrando, ia cantando salmos, hinos e ladainhas. Alegre nas adversidades, Domingos louvava e bendizia sempre ao Senhor! Louvar, Bendizer e pregar, eis o lema da Ordem!

Como São Domingos, procuremos cultivar o amor pelo estudo, pela vida comunitária, oração e pregação. A pregação é o sopro que inspira e organiza aquilo que somos e que fazemos como Família Dominicana. Ela é a maneira de estarmos no mundo.

*Irmã de Santa Catarina de Sena

No Chile, MJD Brasil participa do Encontro de representantes das Américas do IDYM

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Entre 17 e 22 de julho de 2018, em Santiago, Chile, o Movimento Juvenil Dominicano (MJD) do Brasil participa do Encontro de representantes da juventude dominicana nas Américas, organizado pela coordenação internacional do MJD, conhecida como IDYM (Internacional Dominican Youth Movement). Bruno Santiago Alface (26), vice coordenador nacional do Movimento, é o representante tupiniquim no evento, que acontece na Casa de Oración Los Dominicos, situada na capital chilena.

A terra de Pablo Neruda recebe onze jovens dominicanos, de seis país americanos diferentes, para refletir e dialogar sobre a missão do MJD no continente americano. Bolívia, Paraguai, Guatemala, Chile, Brasil e México participam presencialmente das atividades e Estados Unidos, Venezuela, Nicarágua e Colômbia integrarão de maneira virtual alguns momentos da programação. Frei Rui Lopes, OP, promotor internacional para o laicado dominicano, é o responsável pela assessoria formativa do encontro.

Os jovens ‘’dominicos’’ se reúnem a luz do tema ‘’El Profeta tiene que ser molesto a la sociedade, cuando a la sociedad no está con Dios’’, extraído de uma fala de Dom Oscar Romero, que pode ser traduzido para o português como ‘’O profeta tem que incomodar a sociedade quando ela não está com Deus’’. Inspirados pela figura de ”São Romero das Américas”, defensor da vida em abundância para todos e todas, rezemos pelo ‘’Encuentro de las Americas de los MJD’s’’.

Texto: Bruno Alface

Acampamento da Juventude Romeira: relatos do coração

*Por Giovanna Araújo (Dijó)

No final de semana dos dias 12 e 13 de maio, o Movimento Juvenil Dominicano de Porto Nacional teve a oportunidade de participar do III Acampamento da Juventude Romeira – Semana da Terra e das Águas Padre Josimo. O sábado teve inicio com um momento muito rico em que foi possível ter o primeiro contato com os diferentes jovens, de diferentes lugares, com experiências de vida diversas, mas com um aspecto comum: o amor e respeito pela vida e trajetória do Padre Josimo.

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“Cajueiro pequenino 
Carregado de fulo
Eu também sou pequenino 
Carregado de amor”

Cantando nos propam a ir de encontro às pessoas que não conhecíamos, e assim foi possível saber – mesmo que de forma superficial – de onde cada um vinha, o grupo que representava, sua luta etc. A partir daqui começamos a saborear e prever o quanto esse acampamento nos traria bons frutos.
Após um delicioso rango, era hora de partir para as oficinas que tinham como temas: Política e Juventude, Agroecologia, Comunicação Popular e Juventude e Igreja.
Eu fui direcionada a participar da oficina de Comunicação Popular que foi dirigida pelo companheiro de vida e de grupo, Rafael Oliveira. Éramos cerca de 46 jovens participantes, e inicialmente nos foi questionado qual o nosso entendimento sobre “Comunicação Popular”. Durante os primeiros questionamentos, concluímos que as redes abertas de televisão, tais como a Globo e o SBT são grande inimigas do povo, pois detém o poder de manipulação, fazendo com que na maioria das vezes tenhamos conhecimento dos fatos de forma limitada, e se nós nos apegarmos somente aos noticiários transmitidos por essas redes de comunicação, acabamos sendo influenciados a notícias que nem sempre são verídicas.

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Após analisarmos um vídeo, e discutirmos sobre o quanto a Comunicação Popular é importante para as comunidades de base, dividimos os participantes em quatro grupos, onde cada um ficou com a responsabilidade de discutir em grupos menores quatro perguntas, que foram as seguintes: Como a comunicação tradicional interfere na minha vida? Como eu posso fugir dessa comunicação tradicional? Eu conheço algum tipo de comunicação popular/alternativa? Como eu gostaria que os meios de comunicação retratassem a minha realidade?

Posteriormente cada grupo teve a oportunidade de partilhar suas ideias, sendo que em unanimidade os grupos relataram sobre como a influencia da comunicação tradicional pode ser altamente prejudicial quando não temos conhecimentos dos fatos. Destaco aqui sobre como hoje os nossos movimentos sociais são criminalizados pela mídia opressora, e sobre como isso afeta diretamente as nossas atividades em prol da justiça social e do bem comum. Durante a oficina pude conhecer um pouco sobre meios de comunicação popular promovidos por jovens que estavam ali no nosso meio, sendo um dos projetos o “Jovem em comunicação” que faz cobertura de eventos de suas comunidades locais, e de eventuais programações em que são convidados a participar, eles registram com fotos, vídeos, relatos e posteriormente compartilham no blog e página do facebook, confiram: https://jovensemcomunicacao.wordpress.com/.

Minhas companheiras de acampamento participaram de oficinas diferentes:

 “Na tarde de sábado, eu e Laides participamos da oficina ‘Juventude e Agroecologia’, conduzida pelos integrantes da APA-TO, Yuki Ishii e Palmeira Júnior. Com o intuito de nos conhecermos, cada participante fez a sua apresentação, salientando qual era o seu contato com a agricultura. Em seguida, Yuki nos entregou um grão de milho e um grão de soja, nos convidando a refletir sobre esses dois alimentos e o que cada um deles representa; as palavras usadas pelos participantes para caracterizar esses alimentos foram colocados em sua volta, formando dois ciclos, o que nos permitiu visualizar a distinção entre agricultura familiar e agronegócio.

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Durante a roda de conversa, foram apresentados dados que explicitam quão contaminados são os alimentos que consumimos, visto que o Tocantins é apontado como um dos estados brasileiros que mais consome agrotóxico e no cenário mundial, o Brasil também ocupa uma posição notável. É válido ressaltar que dos 50 agrotóxicos mais utilizados no Brasil, 22 são proibidos em países europeus, por conta dos danos causados à saúde. Jovens do campo e da cidade mostraram-se bastante participativos e envolvidos com a temática abordada, notando o importante papel da Agroecologia nesse contexto, pois se trata da união entre agricultura e ecologia, mantendo o meio em equilíbrio. Após esse momento de diálogo, nos dividimos em grupos menores para discutirmos sobre o compromisso da juventude em disseminar a agroecologia no cenário em está inserido. No decorrer da partilha, jovens expressaram frases de manifesto, repudiando a visão benéfica do latifúndio, que a mídia tenta propagar. ‘Se a gente não sabe o que vai comer, não sabe se vai viver’ e ‘Comer alimento saudável não é privilégio, é direito’, foram umas das proferidas.”
[Thamires Ramalho – Coordenadora do MJD Santo Antônio]

A noite foi de palpitar o coração. Fizemos uma mística profunda em memória a Josimo, e ali em uma grande roda acendemos velas enquanto ouvíamos sobre seu legado e sua missão que agora também é nossa. Em seguida, caminhando fizemos uma grande romaria rumo a nossa Noite Cultural que aconteceu na quadra de esportes da Vila Tocantins – Esperantina. A gente ava e o povo olhava aquele tanto de jovens segurando estandartes e banners com o rosto de Josimo e de tantos outros mártires que morreram pela luta da terra dos menos favorecidos. Esse momento aqueceu o coração e aumentou a vontade de juntos sermos cada vez mais um pouquinho do que Josimo a exemplo de Cristo foi.

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A noite cultural foi recheada de apresentações. Teve dança, teatro, cordel, encenação, forró e muita alegria. O povo que não estava no acampamento se aproximou, uns sentaram conosco, outros mais tímidos ficaram nas muretas das quadras, mas estavam todos ali, atentos ao que esse bando de jovens estavam fazendo.

No outro dia cedo lá estávamos nós, comendo um cuscuz feito com muito amor pra repor as energias e tomar coragem pra apresentar aos outros aquilo que tínhamos aprendido nas oficinas. O grupo de Comunicação Popular, do qual fiz parte, decidiu apresentar em forma de um “vlog na TV” – uma mistura inventada na hora pra gente mostrar nosso espírito blogueirinho de ser. O vlog foi batizado com Carioquinha 123 – pra fazer memória de um amigo que infelizmente não pôde estar fisicamente no acampamento – e foi dividido em duas partes: a primeira em que a entrevistadora questionava que tipo de comunicação popular os jovens convidados ao programa  exerciam, e a segunda parte  um quadro chamado “pergunta que eu respondo”, em que a entrevistadora fazia contato com uma repórter que estava no local do III Acampamento da Juventude Romeira e tinha três perguntas para fazer aos convidados. Foi uma maneira criativa e simples que encontramos em mostrar que a Comunicação Popular é importante para autonomia das comunidades de base, sobretudo porque a partir da comunicação podemos dar visibilidades às causas que defendemos.

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 “O grupo de Juventude e Agroecologia resolveu apresentar os dois ciclos criados durante a oficina: o Ciclo do Agronegócio, representado pela soja e o Ciclo da Agricultura Familiar, representado pelo milho. Após apresentar essa disputa de modelos, os jovens leram uma poesia (trecho a seguir), escrita por Igor de Carvalho:

Precisamos saber aproveitar a árvore
que tem tronco, frutos e sombra.
Mas não deixemos ir embora a floresta
pelo mero poder da compra.
Precisamos da agricultura, da ecologia
e unir os valores pra criar
uma nova forma de pensar
chamado agroecologia'”
[Thamires Ramalho – Coordenadora do MJD Santo Antônio]

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Pra finalizar o acampamento tivemos uma missa linda presidida por Dom Giovane, momento este em que ele aproveitou a oportunidade para parabenizar a equipe organizadora, bem como a articulação dos jovens. Ficou muito feliz em ver que muitos jovens que estavam no III Acampamento já haviam participado das outras edições e tem dado continuidade a esse momento lindo. Nossa companheira de vida e de grupo, relata um pouco do que o acampamento significou para ela:

“Tive a oportunidade de participar do III acampamento da juventude Romeira, pela primeira vez, onde vivi a história de luta do padre Josimo.
O acampamento foi um momento de animação, descontração, mas também de reflexão, pois cada depoimento contado sobre o padre Josimo me emocionava. Foi um homem que viveu ao lado do povo, era defensor dos lavradores indefesos, dos povos oprimidos que viviam nas garras do latifúndio. Josimo, ‘padre negro de sandálias surradas’, um herói que questionava que se sua voz fosse calada, quem defenderia o povo? Quem lutaria em seu favor?
No acampamento além da grande homenagem que se fez ao padre Josimo, mostrou também aos jovens que ali estava a importância de se fazer memória para continuar a resistência que o padre Josimo tanto defendeu. Josimo vive!”
[Laides Alves – Promotora de Finanças do MJD Santo Antônio]

Saímos do acampamento com a vontade de ficar. Josimo vive, Josimo está presente, e com essa certeza seguiremos com todas as experiências e ensinamentos no coração. Esse relato não é nem de longe quão prazeroso foi estar no meio daquela gente que agrega, soma, sonha e realiza. Os sistemas de dominações podem nos oprimir, mas nunca conseguirão nos calar.

* Promotora de Missão e Caridade do MJD-BR

A mão de Deus nos une e liberta

por Romi Bencke*

O tema da Semana de Oração para a Unidade Cristã nos convida e provoca a afirmarmos, pela oração, a fé em um Deus de unidade e de liberdade. A inspiração para tal vem do texto de Êxodo 15.1-21. Este texto apresenta um cântico, entoado por Moisés, que recupera a libertação do povo hebreu da escravidão do Egito.

São interessantes as imagens apresentadas pela narrativa do texto. A libertação do cativeiro representou o abalo do principal alicerce para a economia do Egito, que era o trabalho escravo dos povos subjugados pelos exércitos do Faraó e de pessoas que não tinham condições econômicas e sociais para garantir a sua liberdade.

Para que o povo alcançasse a sua libertação foi necessário organização, fidelidade a Deus, porém não ao Deus do opressor, mas em Deus da libertação.  A libertação provavelmente foi consequência de um processo de observação, diálogo, avaliação dos riscos aos quais as pessoas seriam expostas. Não foi algo que aconteceu de forma mágica.

O abalo do sistema baseado no trabalho escravo é descrito neste cântico de Moisés pela imagem do cavalo e cavaleiro precipitados ao mar. “Descem qual pedra, ao fundo”, canta Moisés. O mar os cobriu. Se finda, assim, para este povo um tempo de opressão. A expectativa é a de uma nova sociedade que não se ancore na escravidão.

Quando as Igrejas do Caribe prepararam esta Semana de Oração pela Unidade Cristã, elas olharam para a história das ilhas caribenhas e para as principais características do sistema colonialista desenvolvido na região. Entre as muitas características, a escravidão foi uma delas. O trabalho escravo foi um pilar importante para que as potências colonialistas extraíssem as riquezas. Outra caraterística do colonialismo foi o de utilizar a bíblia como um instrumento de subjugação. A escravidão era justificada pela bíblia. Da mesma forma também o racismo era justificado pela bíblia.

O que as igrejas do Caribe nos provocam a refletir é que não há como aceitar uma legitimação religiosa para a escravidão. Assim como no Egito, também hoje, é necessário desconfiar e romper com os sistemas que se alicerçam na exploração degradante do trabalho humano.

O Brasil foi o último país a abolir a escravidão no continente americano. No entanto, o término formal da escravidão não significou para as pessoas escravizadas melhoria de vida. Elas continuaram sofrendo o racismo, a falta de perspectiva de trabalho digno. O sistema econômico continuou tendo na baixa valorização do trabalho humano o seu principal meio de acumulação de riquezas. Nos últimos anos, em nosso país, tramitam projetos leis que querem flexibilizar a caracterização do trabalho análogo à escravidão.

Nesta Semana de Oração pela Unidade Cristã queremos, afirmar que a unidade cristã é uma realidade possível, da mesma forma, queremos anunciar que humilhação de seres humanos para que alguns enriqueçam é absolutamente contrário à vontade de Deus.

Este Deus amoroso que se manifesta em Jesus Cristo e no Espírito Santo nos provoca a não aceitarmos os projetos colonialistas atuais. Qualquer projeto econômico e social que se alicerça na desqualificação do trabalho humano e na exploração de seres humanos é radicalmente contrário ao Deus da libertação. Motivo pelo qual, um dos desafios para nossas igrejas é o de denunciarmos tais projetos e termos capacidade de discernimento para que não nos tornemos cúmplices deles.

A mão de Deus nos une para um testemunho cristão comprometido com as causas da justiça e nos liberta da apatia, da conveniência do silêncio e da cumplicidade com os sistemas de exploração da força do trabalho e da natureza.

* Pastora da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e secretária Geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs – CONIC.

A mão de Deus nos une e nos liberta: uma leitura orante

por Akira Fugimoto*

No nosso sétimo dia da Semana de Oração pela Unidade Cristã, mergulharemos no texto bíblico que vem nos conduzindo durante este período de troca de experiências e de reflexão sobre a temática da escravidão contemporânea.

O texto escolhido pelas igrejas do Caribe foi extraído do livro do Êxodo. Este livro do antigo testamento nos recorda três períodos que os israelitas aram. O primeiro como este povo viveu como escravos no Egito; a caminhada do povo pelo deserto e a última parte trata da experiência no monte Sinai. O trecho deste ano, Ex 15, 1-21, está inserido no fim da primeira parte, quando o povo sai do Egito, libertando-se da escravidão.

A “Canção do mar”, retrata toda a epopeia que o povo de Israel viveu para sair do Egito. Moisés e Miriam com este canto, louvam e bendizem a Deus, pois sabem que este era o plano Dele para eles, a liberdade. Não importa a quantidade de soldados e poder do Faraó, a vontade de Deus era que seu povo vivesse livre.

No texto sagrado, Moisés e Miriam colocam nas mãos de Deus a vitória sobre a escravidão. “A mão de Deus nos une e liberta”. A libertação do povo trouxe consigo esperança e promessa. Esperança que um novo tempo chegaria aos israelitas, e a promessa que Deus sempre estaria ao lado de seu povo, e nenhum inimigo seria soberano aos objetivos que Ele tem para com seus filhos.

A experiência de liberdade se deu em um momento de superação e esta superação só foi possível na unidade. A fuga do Egito é um momento chave na constituição do povo de Israel e consequentemente na nossa formação como cristãos. O clímax desta epopeia vivida pelo povo judeu tem seu ponto alto na encarnação e mistério pascal de Jesus Cristo. Deus embora seja o motivador e autor de todas as coisas, envolveu e continua envolvendo as forças humanas para realizar seus projetos de vida. Como batizados e batizadas, participamos do mistério divino, e com a intervenção divina possamos superar nossas divisões e com unidade consigamos ser extensões de Cristo nesta sociedade que ainda necessita superar a escravidão e se libertar.

* membro do Movimento Juvenil Dominicano (Curitiba/PR)