Uma semana para alimentar o convívio e a liberdade

por Gregório Leal Oliveira*

Estamos vivendo mais uma Semana de Oração pela Unidade Cristã, e neste ano somos motivados pelas Igrejas do Caribe a trabalhar o tema: “A mão de Deus está semeando em nossa terra, plantando sementes de liberdade, esperança e amor”. E em tempos de carestia que a sociedade mundial continua vivendo, o ecumenismo tem agido como agente transformador de ideais que geram morte em ideais de vida e libertação.

Ao se pensar em libertação, o fator ecumênico não pode estar desconectado, pois a própria liberdade só tem sentido quando pensada para todos(as), precisa-se ir além das diferenças políticas, culturais, geográficas e eclesiais, tanto que hoje já falamos em macro ecumenismo, em que as ações que buscam reconciliação, transformação, amor ao próximo e libertação, vão além do próprio cristianismo. O Arcebispo emérito da Igreja Anglicana da África do Sul, Dom Desmond Tutu, escreveu um livro em que o título é “Deus não é cristão”, pois na sua concepção se reduzirmos Deus somente ao cristianismo, estaremos também reduzindo a Deus, reduzindo seu onipotente amor para com toda a Criação, seus filhos e filhas.

O Apóstolo Paulo quando escreveu aos Romanos no capitulo 10º, versículo 12, diz “Porquanto não há diferença entre judeu e grego; porque um mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam.” O recorte desta epistola nos mostra que o ideal de igualdade e de que Deus é para todos sem distinção, torna-se uma das bases do Cristianismo, e que batizamos de Ecumenismo inspirados na palavra grega “oikouméne” que significa mundo habitado, toda a terra… e que advém de “oikos” que significa casa, lugar onde se vive. Dessa forma, o nosso compromisso com a libertação vai muito além das barreiras e limites criados por nós, em nossos quintais. Deus nos chama a transformar e libertar a toda Criação que habita neste lugar incrível que recebemos para viver, e quando o CONIC nos chama para uma semana de oração e convívio intensivo, nos mostra que é possível viver em harmonia os Cristãos de diversas denominações religiosas, que somos filhos e filhas do mesmo Pai Celestial, que um novo olhar libertador é possível entre nós, e que aquilo que nos une é muito maior que o que nos separa. Um dos teóricos da teologia da libertação, chamado Rubem Alves, tem um pensamento muito interessante e que deve ficar em nossas mentes e corações ao refletirmos o Ecumenismo e a Libertação, ele diz “Deus nos deu asas, mas as religiões inventaram gaiolas”. Que possamos transpor essa semana para nossa vida inteira e que o ecumenismo, e a libertação que vem de Deus estejam em nossas pautas continuamente.

* Postulante da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil

Juventude missionária na luta contra o trabalho escravo

por Bárbara Dias*

Liberdade roubada, dívida forjada, jornada exaustiva, condições degradantes, humilhações e violências físicas e psicológicas, essa ainda é a realidade de milhares de trabalhadoras e trabalhadores brasileiros. O trabalho escravo contemporâneo pode existir debaixo de nossos olhos, com nosso vizinho, com nossos amigos, com um parente ou com um desconhecido. No ambiente urbano ou rural, nós, juventude missionária, precisamos estar atentos, abertos para ouvir com o coração, para saber que há algo de muito importante no que o outro nos fala e, assim, acolher e fazer parte dessa luta que há mais de 500 anos vem sendo travada contra a escravidão.

Expostos a realidades de extrema vulnerabilidade econômica e social, homens e mulheres, movidos pela necessidade de buscarem no trabalho meios de sobreviver, caem nas armadilhas das diversas máscaras da superexploração do capitalismo. Hoje, vendida pela mídia tradicional como “Pop”, o agronegócio é um dos maiores responsáveis pela escravidão contemporânea, que constantemente expulsa e rouba as terras dos povos que dela vieram e dela precisam para viver. Com o discurso de desenvolvimento e progresso, des- envolvem as famílias antes enfronhadas em seus territórios tradicionalmente ocupados, para envolve-las nos processos de exploração dos grandes empreendimentos, das grandes empresas de mineração, de madeireiras e para a expansão dos monocultivos que destrói florestas inteiras, envenenam rios e a comida posta sobre nossas mesas.

Durante a ditadura civil-militar, o governo brasileiro promoveu uma forte campanha de “ocupação” da região amazônica. Com o discurso de que era “Terras sem homens para homens sem terra”, atraiu diversos trabalhadores e trabalhadoras, vindas, principalmente, do nordeste, em busca da terra prometida, onde havia “leite e mel” com fartura. Simultâneo a isso, o governo deu generosos incentivos fiscais para grandes empresas, nacionais e multinacionais, para investirem na agropecuária, no agronegócio. Essas mesmas empresas, conhecidas mundialmente, como a Volkswagen, não apenas desmataram milhares de hectares no meio da Amazônia, elas também foram responsáveis de tornar esses trabalhadores escravos, de explora-los e violenta-los como podiam.

Hoje, essa realidade na Amazônia e em outras regiões do país não se difere muito dos tempos sombrios da ditadura. O governo brasileiro anda de braços dados com a poderosa bancada ruralista, e os incentivos para a expansão das fronteiras do agronegócio estão a todo o vapor. Fecham os olhos para as violações ambientais e sociais, atropela povos indígenas e comunidades tradicionais, e tentam calar a voz daqueles que lutam por mais igualdade e justiça. Precisamos ficar de olho aberto também no que consumimos, de onde vem, como é produzido. Hoje, é possível verificar na “Lista Suja” empresas e fazendas responsáveis de cometer esse tipo de violência contra a humanidade, que não só acontece nos interiores de nosso país, onde dificilmente temos o, mas também na indústria da moda e nas construções civis dos grandes centros. Fiquemos atentos, ontem, hoje, agora e sempre!

Somos juventude em ação, na luta por terra, justiça e paz.

* agente do Conselho Indigenista Missionário- Norte II

Juventude Rural, Trabalho Escravo e Igreja Cristã

por Brígida Rocha dos Santos*

A Semana da Oração pela Unidade Cristã é o despertar para amar ao próximo, respeitando idades, religiões, espiritualidades, ancestralidades e suas expressões. Permitamo-nos então, ar pelo processo de sensibilização e mobilização de cristãos contra o trabalho escravo, considerando que de 1995 a 2017, foram mais de 50 mil trabalhadores e trabalhadoras resgatadas, entre estes 17.590 foram pessoas com faixa etária entre 13 anos a 29 anos de idade. Trabalho Escravo, que viola não somente direitos trabalhistas, onde os escravagistas são em maioria de grandes empresas, projetos e convênios de Estado descompromissados com o povo, são grileiros e fazendeiros. É o agronegócio, mineração, construção civil e grandes empreendimentos que desterritorializam pessoas, como o MATOPIBA que mata tudo para o crescimento da soja e ainda utilizam juventude rural para devastar recursos naturais e a escraviza nas obras, atormentam familiares e as comunidades com impactos socioambientais, despejos, expulsões, grilagens, destruições de rios, florestas, roças, plantios, casas e ainda acabam com estradas vicinais, dificultando percursos para as escolas e ao escoamento de produções das famílias.
Reflete-se que diante de raras politicas sociais e politicas públicas, aumentam os riscos de existir ainda mais juventudes escravizadas. São opressões políticas, cooptações de lideranças e corrupção eleitoral, tudo atinge a juventude rural e correlaciona-se ao trabalho escravo. Juventude que sofre as consequências do trabalho escravo desde a gestação e infância, com ausência e sofrimento dos pais. Em cada geração, o crime com diferentes roupagens e cenários.
Por que não há incentivos de educação popular e escolarização de qualidade para a juventude rural?
Possivelmente temem a rebeldia dos jovens contra aqueles que os oprimem. Sim são jovens quilombolas, são povos indígenas, são assentados/as, acampados/as e outros que se identificam jovem do campo, mesmo que pelas circunstancias da vida estejam mais tempo na cidade. São muitos que ainda sofrem com o trabalho escravo, ameaçados/as de morte, violências físicas, psicológicas, sexuais e identidades abaladas.
Juventude do campo mais uma vez vitima das violências e crimes, sobrevivendo com a esperança, fé e união em Deus, com distintas rebeldias e resistências às opressões, a cada geração, superando desafios, independente de idade, raça, cor, gênero, religião, cultura e nacionalidade.
Vamos superar a imigração forçada, o aliciamento, o tráfico, e ás vulnerabilidades das famílias para combater o trabalho escravo?
A juventude rural e igreja cristã, manifesta a luta contra o crime de trabalho escravo, reconhecendo que há jovem emigrante buscando refúgio e imigrante em busca de proteção. Una-se aos trabalhadores/as brasileiros/as e estrangeiros/as que ainda jovens am pelas diversas formas de aliciamento e tráfico para a escravidão, sim Escute, Observe, Acolha e Denuncie.
Oramos para que ocorra mais fiscalização independente de denuncias, que a bancada ruralista pare de reforça suas cercas, desconfigurar legislações e inviabilizar as ações institucionais do Trabalho. Pois a redução de denúncias e de trabalhadores resgatados não significa redução do crime. Juntos em oração por território livre e casa comum a todos para desenvolverem potencialidades, expressões socioculturais, e a união pela fé cristã. Oramos também pela juventude rural para que viva no território, perseverantes na esperança. Fortalecidos pela experiência de Santa Bakhita, padroeira das pessoas sequestradas e escravizadas para encorajar compromissos pela libertação mesmo diante das conjunturas de opressão.
Vamos enxergar e agir com a realidade?
Conscientizar que o agronegócio não é pop, e sim que causa poluição por agrotóxicos, escraviza e mata.  Que não mais venhamos a julgar as pessoas que migram ou que foram escravizadas, também não julgar a juventude conceituando – a de preguiçosa e alienada. A luta é constante e Deus nos une para despertar o interesse pelo trabalho livre, construir um futuro de alternativas socioprodutivas nas comunidades, superando as imposições, valorizando as riquezas que o campo oferta. Una-se a juventude rural que diz não as ações mínimas e fragilizadas do Estado.
O amor e união são alianças do ecumenismo entre os diferentes que se integram e fortalecem a fé e esperança na luta por libertação e vida digna para todos/as.

* católica e assistente social

 

[A MÃO DE DEUS NOS UNE E NOS LIBERTA] ESTES NÃO SÃO HOMENS?

por Xavier Plassat, OP*

No relógio da história mundial, a proibição da escravatura é fato de última hora. No Brasil, último a abolir esse crime, a abolição tem apenas 130 anos e, olhe aí, a escravidão nunca cessou.

Pode se dizer que a prática da escravidão acompanhou a história da humanidade desde seus primórdios. É comprovada em documentos dos antigos impérios da Babilônia e papiros do Egito. Havia estatuto legal do escravo desde 1790 antes de JC. Por milhares de anos, permaneceu quase inquestionada a existência de uma não-humanidade ao lado da real. Nas suas cartas, o apóstolo Paulo tratou do assunto com naturalidade, conclamando que “aqueles que se encontram sob o jugo da escravidão tratem seus patrões com todo o respeito, para que o nome de Deus não seja blasfemado. Os que têm patrões que acreditam, não os desrespeitem, porque são irmãos.” (1Tm 6,2). O escravo seria mesmo um homem? Esta era a questão. O próprio Aristóteles o rebaixava à condição subumana e sugeriu que a relação mestre/escravo era mutuamente benéfica, à imagem da relação alma/corpo… Na Grécia – “mãe” das democracias – alguns eram chamados a ser cidadãos e outros a laborar para prover às necessidades dos primeiros. Alguns autores consideravam a escravidão física como um mal menor frente ao risco da escravidão moral ou espiritual (a do vício). Não falta hoje quem expresse quase o mesmo: frente ao mal do desemprego ou ao perigo da delinquência, qualquer trabalho não é melhor do que nada? Ao longo desta penosa história, não faltaram até justificações teológicas ou éticas: ao fim e ao cabo, a escravidão não decorre do pecado?

Não é de estranhar que os colonizadores da sua majestade mui católica tenham assumido essa ideologia da naturalidade da escravidão, da sua normalidade, pois essa era a teoria geralmente itida nas esferas do poder… e da Igreja. Durante o século do Iluminismo – que viu filósofos se erguerem contra o absolutismo, o obscurantismo, a realeza e a Igreja – registrou-se o recorde absoluto do tráfico negreiro entre a Europa e as colônias (especialmente da França para Santo Domingo, futuro Haiti: mais de milhão de escravos africanos, sendo 270 mil somente na década de 1780… a da Revolução sa). Quem entre os filósofos levantou voz contra esse mortal tráfico?

Vozes contrárias ao sistema da escravidão, essa estrutura fundante da organização social de todos os tempos, sempre foram raras exceções: tratar bem seu escravo era a máxima ressalva, propor-lhe o exercício da virtude como caminho da verdadeira liberdade, a linha de conduta. Aceitar sua sina como mal menor era o mote.

Nas Américas, os primeiros frades dominicanos ali chegados foram denunciantes contundentes da escravidão imposta pelo conquistador espanhol aos povos originários deste chão, e foram também ardentes e espertos idealizadores de políticas diferenciadas, questionando o sistema da conquista e revelando suas raízes mais profundas.

Tentaram mobilizar Deus e o mundo.

Não se pode dizer melhor que frei Antônio de Montesinos oestando seus paroquianos da Ilha da Espanhola, todos donos de escravos: “Estes não são gente? Com que direito os escravizais?”. Movidos por compaixão e por razão, os frades desvelaram uma verdade inconveniente e aram a cobrar mudanças radicais. Ficaram longe do pior pecado para um pregador: ficar calado. Isolado no século XVI, frei Bartolomeu de Las Casas se tornou um destes francos e incansáveis atiradores, incomodado pelo grito lançado pela comunidade dominicana de Montesinos no Advento de 1511.

Há de estranhar, sim, tamanha e tão constante cegueira da parte de quem confessa um Deus – Javé – que revelou seu nome ao se engajar na libertação de um povo cativo, escravizado no Egito. Desde sempre, nosso Deus foi aquele que escuta o grito dos oprimidos e o clamor dos cativos: “O jejum que eu quero é acabar com as prisões injustas, desfazer as correntes da escravidão, pôr em liberdade os oprimidos e derrubar qualquer jugo, repartir a comida com quem a fome… e não te recusar diante daquele que é tua própria carne.” (Is 58, 6-7). Deste Deus, Jesus se fez a testemunha fiel: “Pois eu tive fome e me destes de comer, eu era estrangeiro e me acolhestes, estava nu e me vestistes, doente e me visitastes, na prisão e viestes a mim. Garanto a vocês: cada vez que o fizestes a um dos menores dos meus irmãos, foi a mim que o fizestes!” (Mt 25, 35-40).

Nos tempos modernos aqui no Brasil, não por acaso, a questão da escravidão foi arrancada da invisibilidade, no início dos anos 1970, graças às teimosas denúncias da Comissão Pastoral da Terra, provocadas pelo profético grito do bispo Pedro Casaldáliga (Uma Igreja em conflito com o latifúndio e a marginalização social. Carta Pastoral, 1971).

Ouvindo o clamor dos povos massacrados pelo avanço do capital sobre a Amazônia, Pedro permitiu que a Igreja acordasse de tão longa letargia e asse a se engajar no combate ao trabalho escravo contemporâneo, na prevenção, na denúncia, no cuidado e no conforto às vítimas, e na cobrança de ousadas políticas públicas. Com a sua Campanha nacional “De Olho Aberto para Não Virar Escravo”, a T tem contribuído de forma decisiva nesse combate.

Tornou-se clássico observar que, no Brasil, existe um vínculo estreito entre apropriação da terra e aprisionamento do trabalho. A Lei Áurea de 1888, que libertou os escravos, sucedeu por poucos anos à promulgação da Lei de Terras de 1850, que aprisionou as terras: o Brasil escravagista podia sem perigo libertar seus escravos, na certeza de que a exploração do trabalho deles poderia permanecer, de qualquer maneira e por vários séculos, a serviço da minoria que há 500 anos se apoderou das terras, das matas e das águas. Tendo fechado o o à terra para quem não tivesse como adquiri-la, tornava-se supérfluo manter a senzala.

Concebida para garantir o monopólio da propriedade nas mãos da oligarquia, a Lei de Terras discrimina até hoje os sem-nada, originando o que a Corte interamericana de Direitos Humanos chamou há pouco de “discriminação estrutural histórica” (cf Sentença condenatória no caso da Fazenda Brasil Verde). Ela impediu que os escravos, ao serem libertos, pudessem ter o às terras públicas e legaliza-las como suas, pois nem os pobres, nem os negros tinham recursos para comprar essas terras (… que até então a Coroa havia mantido sob concessão de uso em prol dos donos das capitanias). Daí o Brasil se tornou o latifúndio que conhecemos, e o poder se manteve na mão de quem dele tem o domínio.

Escravização e concentração da propriedade andaram e continuam andando juntas, a serviço de um modelo predador de exploração, baseado em monoculturas de exportação, hoje rebatizado agronegócio.

ados 500 anos de sua brutal invasão, esta terra, dádiva do Criador para o desfruto da vida em plenitude e fraterna convivência – terra de trabalho – continua reduzido à terra de negócio e de matança. Ao tornar-se só negócio, o “agro” também virou inferno. Dizem que agro é pop, agro é tec, agro é tudo. Idolâtrico!

O Brasil tem assim uma pesada herança de discriminação, exploração e desigualdade, pois o país foi se construindo com base na constante instrumentalizado do Estado pelas oligarquias de plantão, desde as primeiras capitanias hereditárias. Concentração de riqueza e de terra rima com concentração do poder político. Para muitos proprietários até hoje, contratar o trabalho de alguém é simplesmente conceder-lhe um favor, sem obrigação alguma. No plano cultural, operou-se uma naturalização da relação desigual, naturalização que afeta opressores e oprimidos. “Sempre foi assim e sempre será”. Em uma conjuntura de revanche e desmonte dos parcos direitos conquistados pelos grupos sociais mais vulneráveis, estão ressurgindo, como normais, práticas brutais de extorsão da mais-valia, de aparência arcaica, porém perfeitamente integradas nos vários ramos da economia globalizada. Práticas essas que o Papa Francisco chama de escravidão moderna e nos convida a combater sem trégua. São 40 milhões de vítimas hoje no mundo, segundo a OIT. No Brasil, 53 mil foram libertados desta condição nos últimos 23 anos.

Sim, são gente, homens, mulheres e crianças, esses milhões de pessoas tratadas pior que animais, humilhadas em condições degradantes, exploradas em troca de comida, presas a dívidas impagáveis. Filhos e filhas do mesmo Deus. Idólatras são aqueles que os mantêm em tão horrível exploração.

* Frade dominicano.

Semana de Oração pela Unidade Cristã | 2018

por Giovanna Araújo (Dijó)*

“Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio… Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue.” ROSA, José Guimarães. Grande Sertão: veredas.

Queridos irmãos e irmãs, hoje estamos dando inicio a mais uma Semana de Oração pela Unidade Cristã (SOUC). É uma felicidade muito grande para o Movimento Juvenil Dominicano do Brasil, colaborar, rezar e estar juntos nessa semana que tanto nos agrega e nos faz mais próximos do Cristo.

Por meio da SOUC, conseguimos enxergar o quanto o ecumenismo se faz necessário em nossa vivência cristã. Se não estamos abertos para compreender a essência do “ser ecumênico/a”, não estamos preparados também para viver a tão sonhada unidade que o próprio Cristo nos propõe.

O ecumenismo é um processo intenso onde conseguimos enxergar que não precisamos ser da mesma denominação cristã ou da mesma religião, para nos respeitar e nos unir em prol de um projeto maior. Inicialmente os movimentos ecumênicos eram compostos somente por pessoas cristãs de denominações e tradições diferentes, hoje já existe uma inserção de outras religiões que possuem uma sensibilidade e um chamado para o diálogo inter-religioso.

O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC) é consequência do diálogo entre as igrejas Católica Apostólica Romana, Evangélica de Confissão Luterana, Episcopal Anglicana e Metodista, e é referência do ecumenismo no Brasil. O CONIC é muito atuante na luta por direitos humanos e justiça social, sendo que há sempre muito zelo e compromisso em levar o evangelho em todas as causas em que se insere.

O evangelho nos convida a sermos um,  tal como o pai e o filho são. O papa Francisco vê o ecumenismo como um dom do céu que todos nós possuímos, segundo ele, o que falta é deixarmos esse dom aflorar em nós. Ele alerta também que não devemos enxergar as diferenças como algo negativo: “As diferentes tradições teológicas, litúrgicas, espirituais e canônicas que se desenvolveram no mundo cristão, quando permanecem enraizadas de modo autêntico na tradição apostólica, são uma riqueza e não uma ameaça para a unidade da Igreja”.

Nesse sentido o proselitismo religioso só nos atrasa e em nada nos agrega, já que para sermos pessoas ecumênicas não precisamos negar a nossa fé, muito pelo contrário, conseguimos reafirmar a nossa crença e nos tornar pessoas melhores por meio das experiências com nossos irmãos de denominações e religiões diferentes.

Na perspectiva de ecumenismo, somos convidados a nos unir em orações para alcançarmos a plenitude. Que a SOUC 2018 nos traga bons frutos, assim como as demais edições nos trouxe. Saravá, Amém, Salaam Aleikum!

* Promotora de Missão e Caridade do Movimento Juvenil Dominicano do Brasil

Famílias são despejadas de terras em que viviam há 10 anos

por Rafael Oliveira*

 

Ontem (17/04/2018) acompanhei com colegas da Comissão Pastoral da Terra (T) mais uma operação de despejo de famílias camponesas aqui no Tocantins. Dessa vez foi na comunidade Gabriel Filho, onde as famílias já vivem há quase 11 anos. Elas plantam em fartura: mandioca, arroz, feijão, milho, abóbora, abacaxi, quiabo, pimenta de todos os tipos e por aí vai. A maioria tem umas galinhas também. Algumas outras têm umas cabeças de gado, que acabam sendo a “poupança” para casos emergenciais.

Leia também a Nota da T sobre o caso. 

Isso é o que chamamos “dar função social à terra”. Mas na visão do latifúndio burguês, isso chama-se “invasores de terra”.

Ontem, 18 famílias – e coloque aí no mínimo umas 100 pessoas no total – foram expulsas sem direito algum pelo poder Judiciário. Segundo o Juiz Fabiano Ribeiro, tem mais direito o grileiro que nunca exerceu posse naquelas terras. Esse mesmo grileiro que responde processo criminal pelo assassinato em 2010 da liderança Gabriel Filho, que deu nome à comunidade.

E o grileiro tava lá acompanhando toda operação, livre, ao lado dos mais de 15 policiais militares que estavam apenas “cumprindo ordens”.

As perguntas que mais ouvíamos ontem: para onde nós vamos? para onde vamos levar nossas coisas, nossos animais? como vou criar minha filhas?

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Com uma tristeza e indignação no olhar, a dona Eulina disse “tenho a mandioca ainda para colher, tenho 15 mil pés de abacaxi. Vai fazer o que? Minha vida era toda aqui, minha e da minha família. Minhas meninas cresceram todas aqui, tenho menina que casou aqui também. Já perdemos até um bebê aqui. Quando ficou sabendo que vinha [a operação de despejo], ela ou mal e perdeu o bebê”.

Quem responde a essas perguntas?

Como já lemos em tantos despachos de juízes por essas cantos do Tocantins, “não é papel do judiciário promover a reforma agrária”. Mas é papel do judiciário criar um problema social como deixar 100 famílias (e tantas outras que existem pelo estado) sem saber onde vão dormir na próxima noite? Aliás, na primeira noite pós-despejo, as famílias foram aterrorizadas com diversos tiros vindos da sede da fazenda durante toda madrugada.

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A sensação de não saber mais o que fazer toma conta nesses primeiros momentos. Difícil digerir que tanta gente seja deixada de lado como se não existissem. Mas ainda existem recursos judiciais e, principalmente, ainda existe a força da comunidade. Ainda durante a operação de despejo, as mulheres se reuniram num acampamento em uma área vizinha e rezaram a Deus. Cantaram seus cantos, pediram suas preces, deram as mãos, fizeram uma roda de união. Uma das crianças disse que estava triste por ter que sair dali, ela não queria ir pra cidade. “Eu gosto daqui”.

* Agente da Comissão Pastoral da Terra de Tocantins e membro do Movimento Juvenil Dominicano.

Renovação de compromisso – MJD Curitiba

por Camila Schmitz*

Há um ano atrás, participei de um encontro do MJD – Curitiba, fui recebida de braços abertos, e desde então, não parei de participar. Eu estava em busca de novos conhecimentos e novas experiências, e principalmente de conhecer um Movimento Juvenil diferente. Nesse período, tive a oportunidade de saber mais a respeito
da Ordem dos Pregadores e sua história, vivi e aprendi muito, além de ter conhecido pessoas incríveis em que hoje considero minha família.

No dia 17 de março de 2018, compareci à minha primeira Renovação de Compromisso na Capela São Domingos, Depois de um ano de preparação, finalmente me senti pertencendo àquele lugar. Durante a cerimônia, uma alegria enorme consumiu meu coração, não tinha lugar nenhum que eu quisesse estar a não ser ali mesmo, de
frente para o altar.

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Renovação de compromisso na Capela São Domingos em Curitiba (PR)

Eu via Jesus diante de mim. À minha esquerda, Maria Madalena, e à minha direita, São Domingos, fundador da Ordem dos Pregadores. A comunidade atrás de mim e meu amigos ao meu lado, juntos por um único propósito. Coloquei a camiseta preta por cima da branca, sabendo que a partir daquele gesto tão simples, minha vida iria mudar. Não sou mais apenas participante do grupo, mas sim membra oficial do Movimento Juvenil Dominicano.

Um voz ecoou na minha cabeça, “Seja Bem-Vinda à Família Dominicana”, e uma sensação de pura felicidade e emoção tomou meu corpo. Chorei e senti o abraço receptivo de meus amigos, também emocionados.

Eu só tenho a agradecer por essa pequena jornada até aqui, na qual é apenas o começo. Obrigada pelas experiências e aprendizados, pelas amizades que fiz, e por ter a honra de participar desse movimento lindo e inspirador. Agora mais do que nunca, prossigo com o meu compromisso de oração, estudo e vida em comunidade.

Mulheres camponesas ou Mulheres trabalhadoras Rurais

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por Raimara Arruda*

Quem são as mulheres camponesas? De acordo com a definição do Movimento de Mulheres Camponesas, mulher camponesa, é aquela que sozinha ou juntamente com o grupo familiar, produz o alimento e garante a subsistência da família. É a pequena agricultora, a pescadora artesanal, a quebradeira de coco, as extrativistas, arrendatárias, meeiras, ribeirinhas, posseiras, bóias-frias, diaristas, parceiras, sem terra, acampadas e assentadas, assalariadas rurais, quilombolas e indígenas.

O campo é composto por uma grande diversidade de sujeitos que vivem lugares muito diferentes, possuem individualidades, história e necessidades específicas. Essas diversidades são enfrentadas por mulheres que lutam por melhores condições de vida, é um movimento que está diretamente ligado aos conflitos pela posse da terra, e que foi se ampliando para a luta por direitos sociais, como o direito de ser reconhecida como agricultora, ou trabalhadora rural, o direito à participação, assim como a luta contra as desigualdades de gênero, o combate à violência doméstica, a luta por políticas públicas de educação, saúde, entre outras.

Ao longo de anos, tem se ouvido o grito das mulheres camponesas, través de movimentos e organizações pelo país, que acabam se tornando politicas publicas.  Esses movimentos e organizações como: Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), Comissão Pastoral da Terra ( T), Movimento dos Sem Terra (MST), Movimentos das Mulheres Camponesas (MMC), entre outros, reúnem as mulheres em busca de levar a voz do campo, a luta cotidiana e a experiência das dificuldades enfrentadas na busca por seus direitos. O dia a dia dessas mulheres são cheios de dificuldades e desafios, desde o alimento à mesa, a escola para os filhos, o direito a moradia, à saúde e uma vida digna no campo. A busca por melhores condições de vida e por direitos são constantes e árduos. As mulheres camponesas estão na lida.

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Comunidade São Miguel – Goiatins (TO). Foto: Rafael Oliveira

Mulheres camponesas são lutadoras, revolucionárias, militantes, dirigentes de movimentos, são cheias de crenças e esperança, são exemplo de força, fé, amam a natureza e mesmo com tantos percalços carregam em si a alegria, a fraternidade e a perseverança.

A mulher do campo, luta, chora, resiste, sonha… a mulher do campo, planta, colhe, vende, produz… a mulher do campo ama seu chão, tem alegria de ver o verde brotar, tem o sonho de direitos alcançar e de um dia pela sobrevivência  não ter que implorar.

*Raimara é de Tocantins, mas atualmente participa do MJD Curitiba.

Igualdade de Gênero

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por Geovana Brito*

Quando recebi o convite para refletir brevemente sobre a questão da igualdade de gênero, celebrando o Dia Internacional da Mulher, a primeira coisa que me veio em mente foram as edições anteriores da série “Mulheres do MJD”. Lembrei-me do quanto ouvir a voz de pessoas tão próximas à mim, mulheres que eu irava, falando sobre temas tão essenciais – e tão pouco discutidos no âmbito da Igreja – me despertou o interesse, e me abriu os olhos para questões tão fundamentais, e que hoje são de tamanha relevância para mim. Logo, pensei: o que eu poderia falar de tão inspirador sobre esse assunto, quanto o que eu ouvi um dia?

De fato recordando-me deste projeto do MJD e do lançamento do Livro-Agenda Latino-americana 2018, que justamente tem por tema o assunto sobre o qual aqui nos detemos, não me ocorreu nada tão indispensável que eu pudesse falar, que já não tenha sido trazido à luz anteriormente. Tantas estatísticas, dados, relatos de situações de desigualdade, encontramos aos montes – se procurarmos. É um tema mais divulgado atualmente do que vinha sendo há algumas décadas. Entretanto, os progressos que fazemos enquanto conscientização da grande maioria da população, vem a os lentos. Temos muito o que percorrer nesse caminho em direção à igualdade.

Então acredito que na verdade, o melhor que tenho para trazer à essa discussão, é uma provocação. Inspirada pelo próprio Livro-agenda já mencionado acima, que é repleto de textos excelentes sobre a questão sobre a qual nos debruçamos, resolvi trazer a metodologia que este propõe na sua organização: o ver/recordar, o julgar/sonhar, e o agir.

Pensando em nosso próprio cotidiano, homens e mulheres, acredito que somos capazes de identificar as mais diversas barbaridades em relação à desigualdade de gênero (o “Mapa da desigualdade de gênero”1 e o “Relatório sobre a igualdade de gênero no mundo”2 são bastante informativos neste sentido). Me questiono: enxergo essas desigualdades, institucionalizadas e veladas, nas realidades em que estou inserido? Como eu me porto diante delas?

No que diz respeito à atitude de julgar essa realidade observada, o que proponho é que nos interpelemos: onde eu posso estar mais atento? Porque ter uma consciência humilde das nossas faltas, acredito que seja o que pode nos levar enfim à uma atitude verdadeiramente fraternal (ou “sororal”, como disse José Maria Vigil) para com todos nossos irmãos e irmãs. Afinal de contas, nascemos inseridos nessas sociedades que há tempos reproduzem pensamentos, comportamentos e valores machistas. Não seria muita ingenuidade acreditar que num e de mágica ligamos um botão e pronto, paramos de replicar atitudes machistas? Se faz necessário sonharmos esse mundo equânime possível, a partir de nossas próprias ações.

Quanto ao agir, proponho que com ânimo e generosidade nos empenhemos em refletir e entender como e o quê podemos fazer em nossas vidas, para sermos promotores do Reino, de dignidade, e da vida – e vida em abundância! – para as tantas mulheres ao nosso redor oprimidas, silenciadas, marginalizadas, excluídas.

* Geovana é do MJD São Paulo e vice-coordenadora da cataquese do Crisma da Paróquia São Vicente de Paulo

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1. Livro-Agenda latino-americana 2018, página 19.

2. Livro-Agenda latino-americana 2018, página 20 e 21.

Violência contra a Mulher

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por Giovanna Araújo*

“As mulheres são como água, crescem quando se encontram”.

O ano de 2018 se iniciou com um terrível caso de feminicídio, em que uma jovem de 22 anos foi assassinada pelo seu ex-companheiro de quem havia se separado há cerca de 6 meses. Não bastasse a morte, o autor do crime teve a audácia de andar com a jovem morta na garupa de sua moto, desfilando e mostrando à vizinhança o crime que acabara de cometer.

Por essa e tantas outras, o dia 8 de março é muito mais de luta que de comemoração. É mais espinhos, que flores. Muito mais cansaço, que descanso. É sangue, muito sangue.

O Brasil é o quinto país com maior taxa de feminicídio no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O QUINTO PAÍS. Logo, se faz necessária a discussão e efetivação de políticas públicas voltadas para a proteção da vida da mulher, em caráter de urgência. Para além disso, é necessário também, discutir a abordagem de violência contra a mulher nas igrejas. Isto porque a igreja, exerce uma responsabilidade muito grande de combate às injustiças.

É preciso que os religiosos tenham consciência do peso de suas palavras sobre a vida das pessoas, e nesse contexto de violência contra mulher, é fundamental a cautela e o zelo, principalmente ao rear mensagens de textos vindos da Sagrada Escritura. Eu, por exemplo, já presenciei uma celebração onde o celebrante relatava que Deus odeia o divórcio, e que se a mulher casou, que aguentasse o fardo, aliás, “Deus só dá o fardo que você consegue carregar”. Dessa forma, as igrejas podem aumentar a dimensão dos mitos advindos de uma sociedade machista  e patriarcal.

A interpretação distorcida e o mau entendimento das Escrituras, faz com que a mulher vítima de abusos acabe estendendo uma relação tóxica, e vivendo diariamente a realidade de violência doméstica.

Na relação conjugal,  somos convidados a amar um ao outro. O amor não machuca, não violenta, pelo contrário, respeita e oferece escolhas para que a pessoa se sinta tão amada a modo de que ela queira ficar, dessa vez, não somente por preceitos religiosos, mas também por reciprocidade. Deus pode até odiar o divórcio, mas também odeia que um homem se cubra de violência (Malaquias 2:16).

A igreja precisa ser quem acolhe, não quem afasta e silencia as vítimas em situação de violência. Se a minha igreja reforça os mitos, cala a voz de quem clama ajuda, ou não permite a contestação de uso indevido das Escrituras, então a minha igreja está compactuando com a violência que o próprio Cristo combateu.

Ademais, é importante assumir que a violência contra as mulheres é generalizada, e as igrejas não estão excluídas dessa problemática. Nesse ano de 2018, onde a Campanha da Fraternidade adota o tema “Fraternidade e Superação da Violência”, é essencial que seja aproveitado um espaço para abordagem da violência contra a mulher, e também viabilizar ações de combate.

Como seres criados a imagem e semelhança de Deus, merecemos dignidade e respeito. Não podemos aceitar de braços cruzados que uma mulher tenha seus direitos violados, ou na pior das hipóteses, sua vida ceifada.

Em Cristo somos todas irmãs, assim resistiremos, lutaremos.

*Coordenadora de Missão e Caridade do Movimento Juvenil Dominicano do Brasil (MJDBR)